top of page
luan-cabral-dS5-mzrtWeo-unsplash.jpg

AFETO

É por isso que aqui gostamos de chamego, queremos um xodó, pedimos cafuné [...]

O afeto é um traço muito marcante da brasilidade. Existe algo em nós que facilita o contato humano, e que encanta quem nos visita. Desde as origens, somos conhecidos por nos misturarmos afetivamente. 

É por isso que aqui gostamos de chamego, queremos um xodó, pedimos cafuné – para citar três palavras de origem incerta, possivelmente africana, que resistiram amorosamente pelos séculos, mesmo em meio a tanta violência.

Âncora 1
pasted image 0.png

Porque o fato de ser um país afetuoso não implica que não seja também um país brutal. Essa contradição, aliás, ficou marcada no núcleo das células deste povo, como descobriu o projeto “DNA do Brasil”, comandado pela geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP. O projeto está sequenciando o material genético de milhares de brasileiros, de todas as origens. O que eles perceberam é que uma parte enorme da população brasileira descende de pais europeus e mães negras e indígenas. 
 

Está lá, gravado nas moléculas que compõem o âmago daquilo que somos, a evidência do caráter desigual e muitas vezes violento que resultou na miscigenação que nos caracteriza. Quantos desses genes chegaram a nós por causa de histórias de amor, e quantos por causa de histórias de estupros? Quantos aliás por histórias que continham um pouco das duas coisas: afeto e violência?

Olhar para o lado luminoso dessa história sem perder de vista o lado sombrio implica em valorizar a solidariedade, a generosidade, o respeito, a tolerância, a paixão, o senso de humor, a sensualidade, tendo a natureza acolhedora como cenário, na relativa privacidade da rede.

Rede, aliás, é onde tantos dos nossos ancestrais foram embalados. As relações afetuosas da infância perduram no imaginário da alma brasileira. Reverberam quando a mãe oferece um bolinho, quando convidamos alguém para tomar um cafezinho, tentamos apaziguar alguém com uma cervejinha. Colocamos o sufixo -inho em qualquer palavra, mas não com a intenção de diminuí-la, como preconiza a gramática. Nosso diminutivo serve para acrescentar carinho às ações, às relações, às decisões… 

Outro símbolo deste afeto são as cirandas, onde “juntamos mãos com mãos e formamos uma roda”, nas palavras de Lia de Itamaracá, lenda viva que há décadas gira sobre a areia da praia pernambucana. 

 

Veja quanto afeto e alegria numa pessoa só.

Ainda que este afeto resista em nossa cultura popular, ele tem sido sistematicamente oprimido e diminuído ao longo da história. 

Quando nossa República foi fundada, em 1889, com o fim do Império, decidiu-se gravar no centro de nossa bandeira uma frase inspirada no lema positivista, corrente filosófica que estava na moda: “o amor por princípio; a ordem por base; o progresso por fim”. A história não registrou a razão da decisão de tirar da bandeira o amor, focando só na ordem e no progresso. Não sabemos se algum inimigo do amor justificou racionalmente sua supressão, ou se foi uma decisão de um artista para fazer a frase caber no espaço reservado. O fato é que, na fundação da nação, na hora de confeccionar seu símbolo máximo, decidiu-se institucionalmente negar ao afeto sua condição de elemento formador do país.

Foi para reparar esse erro que, em 2018, um grupo de cidadãos projetou a bandeira com a palavra amor no peito do Cristo Redentor. 

Se não houver amor no centro do Brasil, este país não faz sentido – e, sem sentido, não haverá ordem, nem muito menos progresso. 

Alma vai além de tudo que o nosso mundo ousa perceber

Casa cheia de coragem, Vida

Todo afeto que há no meu ser

Te quero ver, Te quero ser

Alma

Trecho de Ânima,
Milton Nascimento.

VIRTUDES
AFETO
bottom of page