A capoeira sintetiza a virtude que é a flexibilidade do brasileiro. Meio dança, meio luta, meio teatro, meio brincadeira, meio guerra, a capoeira é filha da escravidão – e da consequente necessidade de quem não tem poder algum de se adaptar a cada circunstância que se imponha. Essa arte marcial única tornou-se a expressão cultural brasileira mais presente no mundo. Numa roda de capoeira, o vigor marcial evocado com palavras de combate à opressão se conjuga com o embalo que faz navegar de volta às nossas origens além-mar:

" Passarinho verde canta, canta na mata deserta 

Dizendo para o caçador: você atira e não acerta.” 

Mestre Raimundo Irineu Serra

O Brasil recente passou muito tempo preocupado com o lado negativo desta flexibilidade, estigmatizado na expressão “jeitinho brasileiro”. O que nos impede de assumir o lado luminoso deste nosso traço cultural?

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Num mundo em mutação, a habilidade de se adaptar é de extremo valor. E, com a complexidade dos nossos tempos, essa adaptação não vai poder ser feita a partir de um processo estruturado de planejamento: o mundo muda tão rápido que, quando se termina de planejar, o problema já é outro. É preciso jeitinho, portanto.

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O futuro demanda gambiarras – para citar uma outra velha e mal-falada tradição brasileira. Não será possível sobreviver ao século 21 sem uma tolerância alta ao improviso: e o Brasil tem tanto a contribuir com o mundo nesse aspecto.

Para entender algumas das virtudes que fazem do Brasil um país único, vale a pena olhar para o futebol brasileiro, que nos últimos tempos anda mais distante da sua essência. Além deste ser o país de Pelé, é também o país de Garrincha – prova de que há muito mais no jogo do que a busca da vitória. “Garrincha podia seguir, dar o passo do gol e ele voltava. Dava outro drible”, lembra Pelé. Ganhar importa, mas nem sempre, e nem só.

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“A maneira brasileira de jogar se caracteriza pela finta, pelo drible, pelo suingue, por uma certa irresponsabilidade com relação ao jogo. Mas uma fidelidade à bola. Essas são características brasileiras. E a tradição não é de fazer gol, o objetivo é a bola. É lidar com a bola, brincar com a bola”, explica Joel Rufino, historiador e escritor. 

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A flexibilidade é uma virtude que se realça quando temos em mente que a vitória não está só no ponto de chegada. A maior vitória é desfrutar a vida, e isso é a cada instante, e requer de nós abandonar as fixações que nos tiram do fluxo. 

Nas circunstâncias desafiadoras em que estamos imersos, a ação regeneradora da qual o mundo precisa tem que ser capaz de lidar com muitas variáveis ao mesmo tempo, de maneira dinâmica: esquivando-se de ataques e transformando-os em impulsos para o contra-ataque, saltando por cima das ameaças, voando mesmo sem asas. Como um capoeirista.