Brasil Luminoso
Brasil Luminoso
BRASIL
LUMINOSO
Um chamado para apostarmos nas virtudes brasileiras.
Ouça o manifesto!
Havemos de amanhecer.
Carlos Drummond de Andrade
O Brasil é uma expressão viva da riqueza que há na diversidade humana e natural. Somos abençoados por viver em um dos mais abundantes ambientes do mundo e por sermos herdeiros de uma variedade incomparável de cores, de jeitos, de fazeres, de sabores e saberes. Celebramos a vida e a ela nos misturamos com prazer, fazendo vibrar tons musicais que embalam gente do mundo todo.
Mas também somos um povo marcado por feridas e traumas coletivos antigos, que arrastamos sem encarar desde os tempos coloniais, que tiraram os povos originários de suas terras e ocuparam a nação com mão-de-obra de africanos escravizados.
Essas feridas profundas abriram todas nestes últimos anos, sob a luz crepitante do fogo da floresta, no atoleiro de lama e óleo das tantas desgraças ambientais, entre os escombros do Museu Nacional, com o horizonte pontuado de túmulos de tanta gente que morreu sem precisar, de doença, de violência do Estado, de pobreza. Mais uma vez, a conta tem sido mais alta para os povos tradicionais, os pretos, as mulheres, os que não se enquadram nos papéis típicos de gênero, as crianças, as periferias, as florestas.
A intensidade da dor sentida nos torna mais conscientes da escolha que temos a fazer: continuaremos sendo arrastados por forças que nos corrompem de todo lado, na política, na economia, nas religiões? Ou teremos a coragem de nos responsabilizarmos por nosso destino?
A maior crise pela qual já passamos não é apenas sanitária, nem política, nem econômica, nem ambiental. Nossa crise fundamental é existencial, de valores. Dessa crise derivam todas as outras. O Brasil ainda não se conhece, e isso significa que para seguirmos adiante precisamos entrar em contato com nossa realidade interior.
Como vêm confirmando os estudos genéticos, nossa população é em grande parte formada por descendentes de homens colonizadores e mulheres indígenas e negras. Somos filhos de pais ausentes e mães cuja existência foi negada e calada. Esse abandono está na origem da desigualdade, da ignorância sobre nós mesmos e da violência que sentimos desde sempre, mas agora de maneira tão aguda.
Num vídeo recente, Caetano Veloso, entre lágrimas, conclamou: “Tem que vir uma resposta da alma brasileira à situação que estamos vivendo”. Concordamos com ele e por isso estamos aqui fazendo esse manifesto.
É urgente tratar essa ferida que nos cinde a alma. E não há outro jeito de curar o abandono que não seja com acolhimento: reconhecer as dores, injustiças e violências que ainda perpetuamos para, em conjunto, podermos iniciar uma nova fase, mais justa, consciente e restauradora.
As tensões que sentimos em nosso corpo social contém forças criativas que precisam ser liberadas para, como bem resume o dito popular, transformarmos a dor em amor. É preciso que nos aceitemos e nos reconheçamos como membros de uma mesma comunidade. Pertencemos a um mesmo território, formamos um só povo e juntos temos uma história para contar.
Acreditamos que o maior recurso de que o Brasil dispõe é a potência expressa nas virtudes que constituem este país. Virtudes que expressamos de muitas formas, como o afeto presente nos abraços calorosos e na profusão de beijinhos - três para casar. Como a alegria de reunir, festejar e pular por quatro dias, se preciso for. E a criatividade, evidente tanto nas expressões artísticas que encantam o mundo quanto no famoso jeitinho que encontra solução para quase tudo. A fé, de várias matrizes, que nos dá força para seguir adiante. A flexibilidade que se expressa com o jogo de cintura numa boa roda de Capoeira. A gentileza que gera gentileza, único meio de formar um país a partir do encontro de tantos povos de origens tão diversas. A irreverência que nos permite resistir, mesmo oprimidos por tudo isso. O senso de comunhão de uma roda de Chimarrão, de Ciranda ou de Samba. A simplicidade com a qual sertanejos, ribeirinhos, amazônidas, tropeiros, pantaneiros, quilombolas, caiçaras e periféricos se mantém ligados ao que é mais essencial à vida. É da valorização dessas características que nos tornam únicos que virá a força de que precisamos para mudar.
Nosso chamado é para que juntos e juntas nos dediquemos a alimentar essas virtudes da alma do povo brasileiro. Afinal, nesta terra, como os habitantes nativos dela sempre souberam, e também como Pero Vaz de Caminha registrou logo na primeira carta escrita, o que se cultiva germina.
O Brasil é maior do que nossas diferenças, do que nossas sombras, do que nossos medos: ele é imenso. É desse lugar de grandeza que queremos apreciar o que nos distingue uns dos outros não como obstáculos, mas como riquezas que se complementam. Tanto potencial nos impõe uma responsabilidade diante de toda a humanidade, de encontrar um caminho de regeneração, que sirva ao planeta todo.
É bom lembrar de Nelson Mandela, outro que lidou com uma grande crise existencial nacional. Em seu discurso de posse, citando Marianne Williamson, ele disse: “é a nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos assusta”. Não é a primeira vez na história que um povo tem diante de si a tarefa de vencer as forças que assombram seu passado em busca de luz suficiente para iluminar o futuro.
Chegou a hora de sairmos desta paralisia, de reunirmos o que temos de melhor em nós, e apostarmos na nossa capacidade de criar outro futuro. Há um Brasil luminoso a ser revelado pela soma dos nossos brilhos. Declaramos neste manifesto o compromisso de realizar esta caminhada, e este é um convite aberto a qualquer pessoa que ame este país. Para que nossas vozes possam ressoar juntas o chamado da alma brasileira.
Que eu tenha coragem de me enfrentar.
Clarice Lispector
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